2022-06-20

Terapia da Fala

O Desenvolvimento linguístico durante a fase pré-escolar e escolar

Nascemos com um potencial inato para comunicar, no entanto, é fundamental que o meio seja adequado para o aperfeiçoamento dessas aptidões, onde a qualidade do contexto irá influenciar o desenvolvimento da linguagem. Quanto maior e estimulante for o ambiente linguístico, mais desafios serão colocados à criança e maiores serão as possibilidades de desenvolvimento cognitivo, linguístico e emocional. Deste modo, para se desenvolver a linguagem é necessário que o ambiente seja comunicativo, que os outros falem para a criança, incentivando-a a falar.

A linguagem engloba um sistema de símbolos arbitrários e de regras, representando as ideias que querem transmitir através da língua, que é um código socialmente partilhado. A linguagem escrita, é um sistema de símbolos ao contrário da linguagem oral. A linguagem escrita não se desenvolve espontaneamente e universalmente necessitando do recurso formal. A linguagem oral engloba regras de sons, palavras e frases com significado, exigindo um propósito e uma intencionalidade. Como já referido anteriormente, a aquisição da linguagem oral é realizada através de um processo interativo, envolvendo manipulação, combinação e integração das formas linguísticas e das suas regras, permitindo o desenvolvimento de capacidades compreensivas e capacidades para formular/produzir.

Reconhecer e usar são dois aspetos do conhecimento que, no campo linguístico, podemos traduzir por compreensão e produção. Em termos lexicais, estas duas vertentes não são de modo algum, simétricas. Com efeito, o numero de palavras que reconhecemos é incrivelmente superior ao numero de palavras que temos oportunidade de usar. O nosso léxico recetivo, também chamado de passivo, é sempre mais vasto do que o léxico ativo, ou expressivo. Esta dimensão é bastante útil quando lidamos com crianças desde o nascimento até aos cinco ou seis anos de idade.

Classe de Palavras e Semântica

As classes de palavras são formadas por conjuntos organizados de categorias lexicais com características morfológicas, sintáticas ou semânticas que podem ser variáveis ou invariáveis, sendo que estas últimas não admitem especificação de flexão, e podem constituir classes fechadas ou classes abertas, quando o número de itens é ilimitado.

Independentemente das diferenças individuais, são muito semelhantes as primeiras produções lexicais das crianças e incluem sempre nomes de pessoas e objetos assim como acontecimentos importantes. Os primeiros vocábulos referem-se, por norma, a membros da família (mãe, pai, avó), a alimentos preferidos, a animais e respetivos sons (miau, ão-ão). A composição fónica da palavra é, também, determinante na produção, pois quanto maior a facilidade articulatória, maior a probabilidade de articulação no léxico infantil.

Quando o conceito e os sons se casam forma-se uma palavra. Conhecer uma palavra é reconhecer simultaneamente uma sequencia de sons e o seu significado particular. O sistema de regras que rege o significado ou conteúdo das palavras e a combinação das mesmas é denominado por semântica.

A semântica diz respeito ao significado das palavras, das frases e do discurso. Refere- se ao vocabulário (léxico) que a criança adquire ao longo do desenvolvimento da linguagem, ou seja, se conhece e usa sinónimos (vermelho-encarnado), opostos (gordo-magro), palavras com vários significados (conselho-concelho) e se classifica palavras em várias categorias (animais, transportes, ferramentas), permitindo aos usuários da língua agrupar ou classificar objetos, ações e relações. Dentro da semântica dá-se, de facto, relevo à forma como as palavras se relacionam.

Aos 3 anos, as crianças interpretam termos deíticos relacionados com posições espaciais (aqui e ali). Passam, também, a estar presente no discurso da criança, as preposições “de”, “para”, “em” e “a”, assim como advérbios de lugar “atras”. Nesta fase há́ uma grande utilização de adjetivos e proposições contraídas “no” e “na”. Deste reportório fazem ainda parte os pronomes demonstrativos (este, esta e estes) e pessoais, nas primeira e segunda pessoas do singular e do plural, bem como os verbos auxiliares “ser” e “estar”. Os determinantes artigos são usados corretamente e já há compreensão de relações semânticas de adição, tempo, causa, contraste e utilizam graus de parentesco. Assim, a criança no pré-escolar, é uma faladora competente, usa bastante vocabulário, faz frases de três a quatro palavras e participa nas conversas. O seu discurso é percetível para os familiares. Usa o “eu” e não o seu nome como fazia até então. A criança é mais curiosa e mostra-se preparada para mais descobertas e para explorar o mundo que a rodeia. Sente, por isso, a necessidade de obter mais explicações. Inicia, mantém diálogos e faz comentários. Conta histórias de forma simples, vendo e seguindo as imagens de um livro. Entendem as palavras que simbolizam as cores básicas e formas geométricas. Por vezes hesita e faz pausas no discurso, porque a criança ainda tem muita informação que não consegue organizar.

Por sua vez, aos 5 anos, a criança usa a linguagem para comunicar socialmente e dirigir-se mais aos outros, de maneira mais formal. Os conceitos ‘’antes’’ e ‘’depois’’, fazem parte da classe de palavras, havendo, nesta altura um aumento do uso de advérbios e de preposições. Usam expressões para comunicar “olá; bom dia”, pedir favores “posso comer”, agradecer “obrigada” e pedir desculpa. Usa frases complexas, fala de eventos passados e junta duas ideias numa só frase. Fazem mais perguntas e não desistem até obterem respostas claras e precisas dos pais. Usam a imaginação, contam histórias sobre animais selvagens, desenhos animados e heróis. Descrevem as características e funções de cada objeto “a banana é uma fruta doce, amarela e serve para comer”.

Dependendo do contexto e das interações estabelecidas entre a criança e o adulto, aos 6 anos, surgem os pronomes ‘’ele’’ e ‘’ela’’, assim como pronomes pessoais e possessivos com regularidade.

Para além do significado individual dos vocábulos, a criança começa já́ a aperceber-se das redes de relação semântica que os ligam, como por exemplo, que a mesma palavra pode ter significados diferentes, ou que diferentes palavras podem significar essencialmente o mesmo, como é o caso de rapariga e menina, ou que conceitos opostos são expressos por antónimos, como bonito e feio.

O reconhecimento e uso de determinados vocábulos parece, então, depender, por um lado, da complexidade semântica dos itens e, por outro, da experiência da criança em manipular e conservar sobre determinadas situações.

Sintaxe

O ramo da linguística denominado sintaxe compreende estudos dos processos gerativos, combinatórios e formadores das frases nas diversas línguas naturais. Estuda ainda as relações e as funções que as palavras contraem entre si numa frase. É o conhecimento destas funções que faz de cada falante alguém capaz de compreender e produzir uma infinidade de frases nunca antes pronunciadas ou ouvidas.

Entre os 3-5 anos de idade, é esperado que as crianças utilizem os dois tipos de frases, simples e complexa (frases declarativas, interrogativas tanto na afirmativa como na negativa). Entre os 3 e os 4 anos de idade as crianças já́ são capazes de dizer um número considerável de palavras ainda que o vocabulário seja imperfeito. Contudo, o domínio de fala vai progredindo cada vez mais e a linguagem que carece apresenta-se na memória de longa duração podendo desta forma ser utilizada assim que a criança necessite. Espera-se que a criança seja capaz de construir frases de três a quatro conjunções coordenadas (“e”, “mas” e “depois”) e subordinadas (“que”). As orações subordinativas adverbiais surgem desenvolvidas tais como a final, temporal, concessiva e ainda consecutiva. O uso destas orações pode não ser totalmente adequado visto existir uma lacuna resultante do próprio desenvolvimento que, mais tarde será́ melhorado. O sujeito, verbo e objeto (SVO) que correspondem à estrutura básica da frase, já adquirida nesta etapa. A este nível, no período pré́-escolar, a criança, tem curiosidade e procura obter respostas para tudo através do “porquê?”. Gostam de explorar livros, ouvir histórias e conversar, o que irá desenvolver as suas capacidades de imaginação e de querer saber mais. Assim, pode constatar-se que nesta fase há um grande desenvolvimento sintático em que as crianças são capazes de utilizar orações subordinadas de uma forma mais perspicaz, aperfeiçoando ainda as orações coordenadas que foram conseguidas anteriormente.

Aos 5 anos, a criança já compreende mais que 1000 palavras aumentando assim o seu vocabulário. No que respeita às orações, geralmente conseguem elaborar frases de quatro a cinco conjunções coordenadas e subordinadas (“porque”, “para” e “como”). Já utilizam corretamente as coordenadas copulativas e adversativas, sendo possível observar no discurso a utilização das conjunções “e” e “mas”. No que respeita às orações subordinadas, espera-se o uso de muitas conjunções adverbiais, principalmente o “porque” e o “quando”, pois já conseguem usar estas orações com facilidade. Nesta idade surgem ainda as orações adverbiais condicionais, “se”, começando a surgir o levantamento de hipóteses por parte das crianças. As regras gramaticais já estão adquiridas e usam corretamente frases na passiva. Espera-se que, aos 5 anos, as crianças sejam capazes de compreender enunciados com mais de 5/6 palavras e consigam dar resposta.

Já nos 6 anos, as aquisições gramaticais não foram muito estudadas, visto que ao longo dos cinco anos já se consegue o domínio básico do sistema gramatical de uma língua. Nesta idade, verifica-se um aumento na produção de pronomes possessivos; uma utilização correta de advérbios e preposições de espaço e tempo; Uso correto das formas irregulares dos verbos; domínio das orações subordinadas e coordenadas; Frases na voz passiva.

Aos 9 anos, há um aumento da variação na ordem das palavras em textos escritos e, por isso, estes são mais complexos do que na linguagem oral. Nestes textos é possível perceber que as frases complexas contém poucos erros a nível gramatical.

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